terça-feira, 25 de agosto de 2009

BOA NOVA

1
Boa Nova

Os historiadores do Império Romano sempre observaram com
espanto os profundos contrastes da gloriosa época de Augusto.
Caio Júlio César Otávio chegara ao poder, não obstante o
lustre de sua notável ascendência, por uma série de acontecimentos
felizes. As mentalidades mais altas da antiga República não
acreditavam no seu triunfo. Aliando-se contra a usurpação de Antônio,
com os proprios conjurados que haviam praticado o assassíneo de seu
pai adotivo, suas pretenções foram sempre contrariadas por sombrias
perspectivas. Entretanto, suas primeiras vitórias começaram com a
instituição do triunvirato e, em seguida, os desastres de Antônio, no
Oriente, lhe abriram inesperados caminhos.
Como se o mundo pressentisse uma abençoada renovação de
valores no tempo, em breve todas as legiões se entregavam, sem
resistência, ao filho do soberano assassinado.
Uma nova era principiara com aquele jovem enérgico e
magnânimo. O grande império do mundo, como que influenciado por um
conjunto de forças estranhas, descansava numa onda de harmonia e de
júbilo, depois de guerras seculares e tenebrosas.
Por toda parte levantavam-se templos e monumentos preciosos. O
hino de uma paz duradoura começava em Roma para terminar na mais
remota de suas provincias, acompanhado de amplas manifestações de
alegria por parte da plebe anônima e sofredora.
A cidade dos Césares se povoava de artistas, de espíritos
nobres e realizadores. Em todos os recantos, permanecia a sagrada
emoção de segurança, enquanto o organismo das leis se renovava,
distribuindo os bens da educação e da justiça.
No entanto, o inesquecível Imperador era franzino e doente. Os
crônistas da época referem-se, por mais de uma vez, às manchas que lhe
cobriam a epiderme, transformando-se de vez em quando, em dartros
dolorosos. Otávio nunca foi o senhor de uma saúde completa. Suas
pernas viviam sempre enroladas em faixas e sua caixa torácica
convenientemente resguardada contra os golpes de ar que lhe motivavam
incessantes resfriados. Com frequência queixava-se de enxaquecas, que
se faziam seguir por singulares abatimentos.
Não somente nesse particular padecia o Imperador das extremas
vicissitudes da vida humana. Ele, que era o regenerador dos costumes,
o restaurador das tradições mais puras das famílias, o maior
reorganizador do Império, foi obrigado a humilhar os seus mais fundos
e delicados sentimentos de pai e de soberano, lavrando um decreto de
banimento de sua única filha, exilando-a na Ilha de Pandatária, por
efeito de sua vida de condenáveis escândalos na corte, sendo
compelido, mais tarde, a tomar as mesmas providências em relação à sua
neta. Notou que a companheira amada de seus dias se envolvia, na
intimidade doméstica, em contínuas questões de envenenamento dos seus
descendentes mais diretos, experimentando ele, assim, na família, a
mais angustiosa anciedade do coração.
Apesar de tudo, seu nome foi dado ao século ilustre que o vira
nascer. Seus numerosos anos de governo se assinalaram por inolvidáveis
iniciativas. A alma coletiva do Império nunca sentira tamanha
impressão de estabilidade e de alegria. A paisagem gloriosa de Roma
jamais reunira tão grande número de inteligências. É nessa época que
surgem Vergílio, Horácio, Ovídio, Salústio, Tito Lívio e Mecenas, como
favoritos dos deuses.
Em todos os lugares lavravam-se mármores soberbos, esplendiam
jardins suntuosos, erigiam-se palácios e santuários, protegiam-se a
inteligência, criavam-se leis de harmonia e de justiça, num oceano de
paz inigualável. Os carros de triunfo esqueciam por algum tempo, as
palmas de sangue e o sorriso da deusa Vitória não mais se abria para
os movimentos de destruição e morticínio.
O próprio Imperador, muitas vezes, em presidindo às grandes
festas populares, com o coração tomado de angústia pelos dissabores de
sua vida íntima, se surpreendeu, testemunhando o júbilo e a
tranquilidade geral do seu povo e, sem que conseguisse explicar o
mistério daquela onda interminável de harmonia, chorando de comoção,
quando, do alto de sua tribuna dourada, escutava a famosa composição
de Horácio, onde se destacavam estes versos de imorredoura beleza:
Ó Sol fecundo,
Que com teu carro brilhante
Abres e fechas o dia!...
Que surges sempre novo e sempre igual!
Que nunca possas ver
Algo maior do que Roma.
É que os historiadores ainda não perceberam, na chamada época
de Augusto, o século do Evangelho ou da Boa Nova. Esqueceram-se de que
o nobre Otávio era também homem e não conseguiram saber que, no seu
reinado, a esfera do Cristo se aproximava da Terra, numa vibração
profunda de amor e de beleza. Acercavam-se de Roma e do mundo não mais
espíritos belicosos, como Alexandre ou Aníbal, porém outros que se
vestiriam dos andrajos dos pescadores, para servirem de base
indestrutível aos eternos ensinos do Cordeiro. Imergiam nos fluidos do
planeta os que preparariam a vinda do Senhor e os que se
transformariam em seguidores humildes e imortais dos seus passos
divinos.
É por essa razão que o ascendente místico da era de Augusto se
traduzia na paz e no júbilo do povo que, instintivamente, se sentia no
limiar de uma transformação celestial.
Ia chegar à Terra o Sublime Emissário. Sua lição de verdade e
de luz ia espalhar-se pelo mundo inteiro, como chuva de bençãos
magníficas e confortadoras. A Humanidade vivia, então, o século da Boa
Nova. Era a "festa do noivado" a que Jesus se referiu no seu
ensinamento imorredouro.
*
Depois dessa festa dos corações, qual roteiro indelével para a
concórdia dos homens, ficaria o Evangelho como o livro mais vivaz e
mais formoso do mundo, constituindo a mensagem permanente do céu,
entre as criaturas em trânsito pela Terra, o mapa das abençoadas
altitudes espirituais, o guia do caminho, o manual do amor, da coragem
e da oerene alegria.
E, para que essas características se conservassem entre os
homens, como expressão de sua sábia vontade, Jesus recomendou aos seus
apóstolos que iniciassem o seu glorioso testamento com os hinos e os
perfumes da natureza, sob a claridade maravilhosa de uma estrela a
guiar reis e pastores à manjedoura rústica, onde se entoavam as
primeiras notas de seu cântico de amor, e o terminassem com a luminosa
visão da Humanidade futura, na posse das bençãos de redenção. É por
esse motivo que o Evangelho de Jesus, sendo livro do amor e da
alegria, começa com a descrição da gloriosa noite de Natal e termina
com a profunda visão da Jerusalém libertada, entrevista por João, nas
suas divinas profecias do Apocalipse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário