quinta-feira, 10 de setembro de 2009

PRIMEIRAS PREGAÇÕES

3
Primeiras pregações
Nos primeiros dias do ano 30, antes de suas gloriosas
manifestações, avistou-se Jesus com o Batista, no
deserto triste da Judéia, não muito longe das areias
ardentes da Arábia. Ambos estiveram juntos, por alguns
dias, em plena Natureza, no campo ríspido do jejum e
da penitência do grande precursor, até que o Mestre
Divino, despedindo-se do companheiro, demandou o oásis
de Jericó, uma bênção de verdura e água, entre as
inclemências da estrada agreste. De Jericó dirigiu-se
então a Jerusalém, onde repousou ao cair da noite.
Sentado como um peregrino, nas adjacências do Templo,
Jesus foi notado por um grupo de sacerdotes e
pensadores ociosos, que se sentiram atraídos por seus
traços de formosa originalidade e pelo seu olhar
lúcido e profundo. Alguns deles se afastaram, sem
maior interesse, mas Hanã, que seria, mais tarde, o
juiz inclemente de sua causa, aproximou-se do
desconhecido e dirigiu-se-lhe com orgulho:
-Galileu, que fazes na cidade?
-Passo por Jerusalém buscando a fundação do Reino de
Deus! - exclamou o Cristo, com modesta nobreza.
-Reino de Deus? - tornou o sacerdote com acentuada
ironia. - E que pensas tu venha a ser isso?
-Esse Reino é a obra divina no coração dos homens! -
esclareceu Jesus com grande serenidade.
-Obra divina em tuas mãos? - revidou Hanã, com uma
gargalhada de desprezo.
E, continuando as suas observações irônicas,
perguntou:
-Com que contas para levar avante essa difícil
empresa? Quais são os teus seguidores e
companheiros?... Acaso terás conquistado o apoio de
algum prícipe desconhecido e ilustre, para auxiliar-te
na execução de teus planos?
-Meus companheiros hão de chegar de todos os lugares -
respondeu o Mestre com humildade.
-Sim - observou Hanã -, os ignorantes e os tolos estão
em toda parte na Terra. Certamente que esse
representará o material de tua edificação. Entretanto,
propões-te realizar uma obra divina e já viste alguma
estátua perfeita modelada em fragmentos de lama?
-Sacerdote - replicou-lhe Jesus, com energia serena -,
nenhum mármore existe mais puro e mais formoso do que
o do sentimento, e nenhum cinzel é superior ao da boa
-vontade.
Impressionado com a resposta firme e inteligente, o
famoso juiz ainda interrogou:
-Conheces Roma ou Atenas?
-Conheço o amor e a verdade - disse Jesus
convictamente.
-Tens ciência dos códigos da Corte Provincial e das
leis do Templo? - inquiriu Hanã, inquieto.
-Sei qual é a vontade de meu Pai que está nos céus -
respondeu o Mestre, brandamente.
O sacerdote o contemplou irritado e, dirigindo-lhe um
sorriso de profundo desprezo, demandou a Torre
Antônia, em atitude de orgulhosa superioridade.
No dia seguinte, pela manhã, o mesmo formoso peregrino
foi ainda visto a contemplar as maravilhas do
santuário, antes alguns minutos de internar-se pelas
estradas banhadas de sol, a caminho de sua Galiléia
distante.
*
Daí a algum tempo, depois de haver passado por Nazaré,
descansando igualmente em Caná, Jesus se encontrava
nas circunvizinhanças da cidadezinha de Cafarnaum,
como se procurasse, com viva atenção, algum amigo que
estivesse à sua espera.
Em breves instantes, ganhou as margens do Tiberíades e
se dirigiu, resolutamente a um grupo alegre de
pescadores, como se, de antemão, os conhecesse a
todos.
A manhã era bela, no seu manto diáfano de radiosas
neblinas. As águas transparentes vinham beijar os
eloendros da praia, como se brincassem ao sopro das
virações perfumadas da natureza. Os pescadores
entoavam uma cantiga rude e, dispondo inteligentemente
as barcaças móveis, deitavam as redes, em meio de
profunda alegria.
Jesus aproximou-se do grupo e, assim que dois deles
desembarcaram em terra, falou-lhes com amizade:
-Simão e André, filhos de Jonas, venho da parte de
Deus e vos convido a trabalhar pela instituição de seu
reino na Terra!
André lembrou-se de já o ter visto, nas cercanias de
Betsaida, e do que lhe haviam dito a seu respeito,
enquanto que Simão, embora agradávelmente
surpreendido, o contemplava, enleado. Mas, quase a um
só tempo, dando expansão aos seus temperamentos
acolhedores e sinceros, exclamaram respeitosamente:
-Sede bem-vindo!...
Jesus então lhes falou docemente do Evangelho, com o
olhar incendido de júbilos divinos.
Estando muitos outros companheiros do lago a observar
de longe os três, André, manifestando a sua tocante
ingenuidade, exclamou comovido:
-Um rei? Mas em Cafarnaum existem tão poucas casas!...
Ao que Pedro obtemperou, como se a boa-vontade devesse
suprir todas as deficiências:
- O lago é muito grande e há várias aldeias
circundando estas águas. O reino poderá abrange-las
todas!
Isso dizendo, fixou em Jesus o olhar perquiridor, como
se fora uma grande criança meiga e sincera, desejos de
demonstrar compreensão e bondade. O Senhor esboçou um
sorriso sereno e, como se adiasse com prazer as suas
explicações para mais tarde, inquiriu generosamente:
-Quereis ser meus discípulos?
André e Simão se interrogaram a si mesmos, permutando
sentimentos de admiração embevecida. Refletia Pedro:
que homem seria aquele? onde já lhe escutara o timbre
carinhoso da voz intima e familiar? Ambos os
pescadores se esforçavam por dilatar o domínio de suas
lembranças, de modo a encontrá-lo nas recordações mais
queridas. Não sabiam, porém, como explicar aquela
fonte de confiança e de amor que lhes brotava no âmago
do espírito e, sem hesitarem, sem uma sombra de
dúvida, responderam simultâneamente:
-Senhor, seguiremos os teus passos.
Jesus os abraçou com imensa ternura e, como os demais
companheiros se mostrassem admirados e trocassem entre
si ditérios ridicularizadores, o Mestre, acompanhado
de ambos e de grande grupo de curiosos, se encaminhou
para o centro de Cafarnaum, onde se erguia a
Intendência de Ântipa. Entrou calmamente na coletoria
e, avistando um funcionário culto, conhecido publicano
da cidade, perguntou-lhe:
-Que fazes tu, Levi?
O interpelado fixou-o com surpresa; mas, seduzido pelo
suave magnetismo de seu olhar, respondeu sem demora:
-Recolho os impostos do povo, devidos a Herodes.
-Queres vir comigo para recolher os bens do céu? -
perguntou-lhe Jesus, com firmeza e doçura.
Levi, que seria mais tarde o apóstolo Mateus, sem que
pudesse definir as santas emoções que lhe dominaram a
alma, atendeu, comovido:
-Senhor, estou pronto!...
-Então, vamos - disse Jesus, abraçando-o.
Em seguida, o numeroso grupo se dirigiu para a casa de
Simão Pedro, que oferecera ao Messias acolhida sincera
em sua residência humilde, onde o Cristo fez a
primeira exposição de sua consoladora doutrina,
esclarecendo que a adesão desejada era a do coração
sincero e puro, para sempre, às claridades do seu
reino. Iniciou-se naquele instante a eterna união dos
inseparáveis companheiros.
*
Na tarde desse mesmo dia, o Mestre fez a primeira
pregação da Boa Nova na praça ampla, cercada de
verdura e situada naturalmente junto às águas.
No céu, vibravam harmonias vespertinas, como se a
tarde possuisse também uma alma sensível. As árvores
vizinhas acenavam os ramos verdes ao vento do
crepúsculo, como mãos da Natureza que convidassem os
homens à celebração daquele primeiro àgapa. As aves
ariscas pousavam de leve nas alcaparreiras mais
próximas, como se também desejassem senti-lo, e na
praia extensa se acotovelava a grande multidão de
pescadores rústicos, de mulheres aflitas por
continuadas flagelações, de crianças sujas e
abandonadas, misturados publicanos pecadores com
homens analfabetos e simples, que haviam acorrido,
anciosos por ouvi-lo.
Jesus contemplou a multidão e enviou-lhe um sorriso de
satisfação. Contrariamente as ironias de Hanã, ele
aproveitaria o sentimento como mármore precioso e a
boa-vontade como cinzel divino. Os ignorantes do
mundo, os fracos, os sofredores, os desalentados, os
doentes e os pecadores seriam em suas mãos o material
de base para a sua construção eterna e sublime.
Converteria toda miséria e toda dor num cântico de
alegria e, tomado pelas inspirações sagradas de Deus,
começou a falar da maravilhosa beleza do seu reino.
Magnetizado pelo seu amor, o povo o escutava num
grande transporte de ventura. No céu havia uma
vibração de claridade desconhecida.
Ao longe, no firmamento de Cafarnaum, o horizonte se
tornara um deslumbramento de luz e, bem no alto, na
cúpula dourada e silenciosa, as nuvens delicadas e
alvas tomavam a forma suave das flores e dos arcanjos
do Paraíso.

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